segunda-feira, 16 de novembro de 2009

De tudo que não sabemos...e de tudo que pensamos saber...é que tudo é tão relativo...

Nunca amamos ninguém.
Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém.
É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isso é verdade em toda a escala do amor.
No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho.
No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos.
O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão.
Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

A vida é para nós o que concebemos dela.
Para o rústico cujo campo lhe é tudo, esse campo é um império.
Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo.
O pobre possui um império; o grande possui um campo.
Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.

Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.

A experiência direta é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação.
Os homens de ação são os escravos dos homens de entendimento.
As coisas não valem senão na interpretação delas.
Uns, pois, criam coisas para que os outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas.
Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.

Como é por dentro outra pessoa

Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

Fernando Pessoa

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